9 de setembro de 2011

As florzinhas de São Francisco Capítulo 4.


Como o Anjo de Deus propôs uma questão a Frei Elias, guardião de um lugar do Vale de Espoleto; e porque Frei Elias respondeu soberbamente, foi embora e andou a caminho de Santiago, onde encontrou Frei Bernardo e lhe contou esta história. 

No princípio e fundação da Ordem, quando os frades eram poucos e ainda não tinham tomado os lugares, São Francisco, por sua devoção, foi a São Tiago de Galícia, e levou consigo alguns frades, um dos quais foi Frei Bernardo. E andando assim juntos pelo caminho, encontrou em uma terra um pobrezinho doente e, tendo compaixão por ele, disse a Frei Bernardo: “Filho, eu quero que tu fiques aqui para servir este doente”. E Frei Bernardo, ajoelhando-se humildemente e curvando a cabeça, recebeu a obediência do pai santo e ficou naquele lugar; e São Francisco com os outros companheiros foram a São Tiago. Quando chegaram lá, e passavam a noite em oração na igreja de São Tiago, foi por Deus revelado a São Francisco que ele devia assumir muitos lugares pelo mundo, pois sua Ordem devia ampliar-se e crescer em grande multidão de frades. E por causa dessa revelação São Francisco começou a assumir lugares naquela região. E quando São Francisco voltava pelo caminho de antes, reencontrou Frei Bernardo e o doente com quem o havia deixado, perfeitamente curado. Daí São Francisco concedeu a Frei Bernardo que, no ano seguinte, fosse a São Tiago. 
E assim São Francisco voltou para o vale de Espoleto; e estava em um lugar deserto, ele com Frei Masseo, Frei Elias e alguns outros, os quais evitavam muito de incomodar ou perturbar São Francisco na oração, e faziam isso pela grande reverência que tinham para com ele e sabiam que Deus lhe revelava grandes coisas nas suas orações. 
Aconteceu um dia que, estando São Francisco em oração no bosque, um jovem bonito, preparado para caminhar, veio à porta do lugar e bateu com tanta pressa e tão forte, por um espaço tão grande que os frades ficaram muito admirados de um modo tão desusado de bater. Frei Masseo foi, abriu a porta, e disse àquele jovem: “De onde vens, filho, que parece que nunca estiveste aqui, se bateste de um modo que não se costuma?”. O jovem respondeu: “E como se deve bater?”. Disse Frei Masseo: “Bate três vezes, uma depois da outra, espaçadamente, depois espera tanto que o frade possa dizer um pai-nosso e vir te atender; e se não vier nesse espaço, bate mais uma vez”. O jovem respondeu: “Eu estou com muita presa, e por isso bato tão forte; porque eu tenho que fazer uma grande viagem, e vim aqui para falar com Frei Francisco, mas ele está agora no bosque em contemplação, e eu não quero perturbar; mas vai e me manda Frei Elias, que eu quero perguntar uma coisa, porque eu acho que ele é muito sábio”. 
Frei Masseo foi e disse a Frei Elias que fosse ver aquele jovem. E Frei Elias se escandalizou e não quis ir; Frei Masseo ficou sem saber o que fazer, nem o que responder ao moço, porque, se dissesse: Frei Elias não pode vir, estaria mentindo; se dissesse como estava perturbado e que não queria ir, temia dar-lhe mau exemplo. Mas como Frei Masseo custava para vir, o jovem bateu mais uma vez como antes; e daí a pouco Frei Masseo voltou à porta e disse ao jovem: “Tu não observaste o que eu ensinei para bater”. O jovem respondeu: “Frei Elias não quer vir a mim; mas vai e diz a Frei Francisco que eu vim para falar com ele; mas como eu não quero perturba-lo na oração, diz que mande Frei Elias”. Então Frei Masseo foi falar com São Francisco, que estava no bosque com o rosto levantado para o céu e lhe contou tudo que o jovem pedira e a resposta de Frei Elias. E aquele jovem era o Anjo de Deus em forma humana. Então São Francisco, sem sair do lugar nem abaixar o rosto, disse a Frei Masseo: “Vai e diz a Frei Elias que vá imediatamente por obediência ver aquele jovem”. Quando Frei Elias soube da obediência de São Francisco, foi à porta muito perturbado, abriu-a impetuosamente e com muito barulho, e disse ao jovem: “Que é que tu queres?”. O jovem respondeu: “Cuidado, frade, para não estares perturbado como parece, porque a ira impede o ânimo e não deixa discernir o que é verdadeiro. Frei Elias disse: “Diz-me o que queres de mim”. O jovem respondeu: “Eu te pergunto se para os observadores do santo Evangelho é lícito comer do que lhes é posto na frente, segundo o que Cristo disse aos seus discípulos. E ainda te pergunto se a algum homem é lícito propor alguma coisa que contradiga à liberdade evangélica”. Frei Elias respondeu soberbamente: “Eu sei isso muito bem, mas não quero te responder; vai cuidar das tuas coisas”. Disse o jovem: “Eu saberia responder essa questão melhor do que tu”. Então Frei Elias, perturbado e com fúria, fechou a porta e foi embora. Depois começou a pensar sobre a questão e a duvidar dentro de si mesmo; e não sabia resolver. Pois, como ele era vigário da Ordem, tinha ordenado e feito constituição, além do Evangelho e da Regra de São Francisco, que nenhum frade na Ordem comesse carne; de modo que a referida questão era expressamente contra ele. Como não sabia aclarar isso para si mesmo, e considerando a modéstia do jovem e que tinha dito que saberia resolver a questão melhor do que ele, voltou à porta e a abriu para perguntar ao jovem sobre a predita questão, mas ele tinha ido embora; porque a soberba de Frei Elias não era digna de falar com o Anjo. Feito isso, São Francisco, para quem tudo tinha sido revelado por Deus, voltou do bosque e repreendeu fortemente Frei Elias, em altas vozes, dizendo: “Fazes mal, Frei Elias soberbo, que espantais de nós os Anjos santos, que vêem para nos ensinar. Eu te digo que eu temo muito que a tua soberba não te faça acabar fora desta Ordem”. E assim lhe aconteceu depois, como São Francisco lhe predisse, porque ele morreu fora da Ordem. 
No mesmo dia, na hora em que o Anjo foi embora, ele apareceu naquela mesma forma a Frei Bernardo, que voltava de São Tiago e estava na margem de um grande rio; saudou-o na sua linguagem, dizendo: “Deus te dê a paz, ó bom frade”. E como o bom Frei Bernardo ficou muito admirado e considerando a beleza do jovem e a fala de sua pátria, com a saudação pacífica e com o rosto alegre, perguntou-lhe: “De onde vens tu, bom jovem?”. O Anjo respondeu: “Eu venho de tal lugar, onde mora São Francisco, e fui para falar com ele e não pude, porque ele estava no bosque contemplando as coisas divinas e eu não quis perturba-lo. E naquele lugar moram Frei Masseo, Frei Egídio e Frei Elias. Frei Masseo me ensinou a bater na porta do jeito de um frade. Mas Frei Elias, porque não me quis responder a questão que eu lhe propus, depois se arrependeu; e quis ouvir-me e ver-me, mas não pôde”. 
Depois dessas palavras, disse o Anjo a Frei Bernardo: “Por que não passas para lá?”. Frei Bernardo respondeu: “Porque tenho medo do perigo pela profundidade da água que eu vejo”. O Anjo disse: “Vamos passar juntos; não duvides”. Pegou a mão dele e, num bater de olhos, colocou-o no outro lado do rio. Então Frei Bernardo soube que ele era o Anjo de Deus e, com grande reverência e gáudio, disse em alta voz: “Ó Anjo bendito de Deus, diz-me qual é o teu nome”. O Anjo respondeu: “Por que perguntas o meu nome, que é maravilhoso?”. E dizendo isso o Anjo desapareceu e deixou Frei Bernardo muito consolado, tanto que fez com alegria todo aquele caminho. E considerou o dia e a hora em que o Anjo lhe tinha aparecido; e chegando ao lugar em que São Francisco estava com os referidos companheiros, contou-lhes em ordem todas as coisas. E conheceram com certeza que aquele mesmo Anjo, naquele dia e naquela hora, tinha aparecido para eles e para ele. E deram graças a Deus. 
Para louvor de Jesus Cristo e do pobrezinho Francisco. Amém. 


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