1 de outubro de 2011

As florzinhas de São Francisco Capítulo 45

Da conversão, vida, milagres e morte do santo Frei João da Pena. 

Quando Frei João da Pena era criança e estudava na província da Marca, apareceu-lhe uma noite um menino belíssimo e o chamou dizendo: “João, vai a Santo Estêvão, onde está pregando um dos meus frades. Acredita na pregação dele e presta atenção em suas palavras, pois fui eu que o mandei. Feito isso, tu tens que fazer uma grande viagem e depois virás a mim”. 
Por isso ele se levantou na mesma hora e sentiu uma grande mudança em sua alma. Foi a Santo Estêvão e aí encontrou uma grande multidão de homens e mulheres que lá estavam para ouvir a pregação. E o que devia pregar era um frade chamado Filipe, que era um dos primeiros frades que tinha vindo para a Marca de Ancona. Poucos lugares tinham sido tomados na Marca. 
Esse Frei Filipe subiu para pregar e pregou com muita sabedoria, não palavras de sabedoria humana mas em virtude do espírito santo de Cristo, anunciando o reino da vida eterna. Quando acabou a pregação, o dito menino foi falar com Frei Filipe e disse: “Padre, se te aprouver receber-me na Ordem, eu de boa vontade faria penitência e serviria a nosso Senhor Jesus Cristo”. 
Vendo Frei Filipe e conhecendo no referido menino uma maravilhosa inocência e pronta vontade de servir a Deus, disse-lhe: “Virás a mim tal dia em Recanati, e te farei receber”. Nesse lugar devia ser feito o capítulo provincial. O menino pensou que essa fosse a grande viagem que devia fazer, segundo a revelação que tinha tido, e depois iria para o paraíso. Achou que devia fazer isso logo que fosse recebido na Ordem. Por isso foi e o receberam, e vendo que seus pensamentos não se cumpriam então, como o ministro disse no capítulo que se alguém quisesse ir para a Província da Provença pelo mérito da santa obediência, ele lhe daria a licença, ficou com grande desejo de ir, pensando em seu coração que essa era a grande viagem que devia fazer antes de ir para o paraíso. 
Mas, envergonhando-se de dize-lo, confiou afinal no predito Frei Filipe, que o tinha feito ser recebido na Ordem, pediu-lhe com insistência que lhe conseguisse a graça de ir para a província da Provença. Então Frei Filipe, vendo sua pureza e sua santa intenção, conseguiu-lhe a licença. Por isso Frei João pôs-se a andar com grande alegria, tendo por certa a idéia de que, acabado aquele caminho, iria para o paraíso. Mas, como aprouve a Deus, ele ficou na dita província vinte e cinco anos, nessa espera e desejo, vivendo em grandíssima honestidade, santidade e exemplaridade, crescendo sempre em virtude e graça de Deus e do povo, e era muito amado pelos frades e pelos seculares. 
Estando um dia Frei João devotamente em oração, chorando e lamentando-se, porque o seu desejo não se cumpria e porque sua peregrinação desta vida estava demorando muito, apareceu-lhe Cristo bendito. Quando o viu, sua alma ficou toda derretida, e Cristo lhe disse: “Meu filho Frei João, pede-me o que quiseres”. Ele respondeu: Senhor meu, eu não sei o que te pedir, pois eu não desejo nenhuma outra coisa, mas só isto eu te peço, que tu me perdoes todos os meus pecados e me dês a graça de que eu te veja uma outra vez quando tiver maior necessidade”. Cristo disse: “Tua oração foi ouvida”. Dito isso, foi embora, e Frei João ficou todo consolado. 
No fim, ouvindo os frades da Marca a fama de sua santidade, tanto fizeram com o geral, que lhe mandou obediência para voltar para a Marca. Recebendo essa obediência ele se pôs alegremente a caminho, pensando que, feita aquela viagem, devia ir para o céu, segundo a promessa de Cristo. Mas, tendo voltado à província da Marca, nela viveu trinta anos, e não era reconhecido por nenhum de seus parentes, e todos os dias esperava a misericórdia de Deus, que ele lhe cumprisse a promessa. E nesse tempo cumpriu diversas vezes o ofício de guardião com grande discrição. E, por ele, Deus operou muitos milagres. 
Entre os outros dons que ele recebeu de Deus, teve o espírito de profecia. Por isso, uma vez, tendo saído do lugar, um seu noviço foi combatido pelo demônio e tão fortemente tentado que, consentindo na tentação, resolveu em si mesmo que ia sair da Ordem assim que Frei João voltasse de fora. Conhecendo por espírito de profecia essa tentação e essa decisão, voltou imediatamente para casa e chamou o dito noviço, dizendo que queria que ele se confessasse. Mas, antes de ele se confessar, contou-lhe direitinho toda a sua tentação, como Deus lhe havia revelado, e concluiu: “Filho, como tu me esperaste e não quiseste ir sem a minha bênção, Deus te fez esta graça, que jamais haverás de sair desta Ordem, mas morrerás na Ordem, com a graça divina”. Então o dito noviço foi confirmado na boa vontade e, permanecendo na Ordem, veio a ser um santo frade. Quem me contou todas essas coisas foi Frei Hugolino. 
O dito Frei João, que era homem de ânimo alegre e repousado, e falava raras vezes, e era um homem de grande oração e devoção, e, especialmente depois de matinas, nunca voltava para a cela, mas ficava em oração até de dia. Estando ele em oração depois das matinas, apareceu-lhe o anjo de Deus e lhe disse: “Frei João, completou-se o teu caminho, como esperas há tanto tempo. Por isso eu te anuncio da parte de Deus que peças a graça que quiseres. E também te anuncio que escolhas o que preferes, ou um dia de purgatório ou sete dias de penas neste mundo”. 
Como Frei João preferiu os sete dias de pena neste mundo, de repente ficou doente de diversas enfermidades, pois pegou a febre forte, a gota nas mãos e nos pés, o mal do lado e muitos outros males. Mas o pior para ele era que um demônio ficava na sua frente e segurava na mão um grande papel com o escrito de todos os seus pecados, que ele nunca tinha feito ou pensado, e lhe dizia: “Por estes pecados que fizeste com o pensamento, com a língua e por atos, tu estás condenado no fundo do inferno”. 
E ele não se recordava de nenhum bem que jamais tivesse feito, nem que estava na Ordem, nem que jamais nela tivesse estado, mas assim pensava que estava condenado, como o demônio dizia. Por isso, quando lhe perguntavam como estava, respondia: “Mal, porque estou condenado”. Quando os frades viram isso, mandaram chamar um frade antigo, chamado Frei Mateus de Monte Robbiano, que era um santo homem e muito amigo desse Frei João. Quando esse Frei Mateus chegou a ele no sétimo dia de sua tribulação, cumprimentou-o e perguntou como estava. Ele respondeu que estava mal, porque estava condenado. Então Frei Mateus disse: “Tu não te lembras de que muitas vezes te confessaste comigo e eu te absolvi inteiramente de todos os teus pecados? Não te lembras também de que serviste sempre a Deus nesta santa Ordem, por muitos anos? Além disso, não te lembras de que a misericórdia de Deus é maior do que todos os pecados do mundo, e que Cristo bendito nosso Salvador pagou um preço infinito para nos recomprar? Por isso, tem muita esperança, porque por certo estás salvo”. Quando disse isso, como ele tinha chegado ao fim de sua purificação, foi embora a tentação e veio a consolação. 
E, grande alegria, Frei João disse a Frei Mateus: “Como estás cansado e já é tarde, eu te peço que vás repousar”. Mas Frei Mateus não queria deixá-lo; mas, afinal, como ele insistiu muito, saiu e foi repousar. E Frei João ficou só com o frade que o servia. E eis que Cristo bendito veio com grande esplendor e com enorme suavidade de perfume, como tinha prometido que ia aparecer mais uma vez, isto é, quando tivesse mais necessidade, e o curou perfeitamente de todas as suas doenças. Então Frei João, com as mãos postas, agradecendo a Deus, porque com ótimo final tinha concluído sua longa viagem da presente mísera vida, recomendou nas mãos de Cristo e entregou sua alma a Deus, passando desta vida mortal para a vida eterna com Cristo bendito, que ele havia tanto tempo desejava e esperava ver. Repousa o dito Frei João no lugar da Penna de São João. 
Para louvor de Jesus Cristo e do pobrezinho Francisco. Amém. 

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