4 de fevereiro de 2011

Multidão foi às ruas do Cairo pedir que o presidente deixe o cargo

Manifestante em cadeira de rodas é carregado pela multidão na Praça Tahrir nesta sexta (4)

Manifestante em cadeira de rodas é carregado pela multidão na Praça Tahrir nesta sexta (4) (Foto: AP)O recém-nomeado premiê do Egito, Ahmed Shafiq, disse nesta sexta-feira (4) que é "improvável" que o presidente Hosni Mubarak transfira seus poderes para seu vice, Omar Suleiman.
"Precisamos do presidente por razões legislativas", disse ele em entrevista à TV Al Arabiya.
Mubarak nomeou Omar Suleiman como vice-presidente após a pressão de manifestantes, preenchendo o cargo que estava vago desde que assumiu a presidência, em 1981.

Dezenas de milhares de egípicios oraram na Praça Tahrir, no centro do Cairo, nesta sexta, pedindo a saída imediata de Mubarak, no mesmo dia em que os líderes da União Europeia pediram uma transição imediata de poder no país.
O Cairo estava em relativa calma, no 11º dia dos protestos sem precedentes contra o governo Mubarak, no que a oposição vem chamando de "Dia da Saída".


Os oposicionistas pressionam para que o presidente deixe o poder ainda nesta sexta, depois de quase 30 anos no governo.
"Hoje é o último dia!", gritavam os manifestantes, enquanto alto-falantes tocavam música pop árabe, e helicópteros militares sobrevoavam o local. Soldados mantinham a ordem sem intervir, e havia ambulâncias de prontidão.
Em inglês - para atender à audiência televisiva global - um cartaz declarava: 'Game over' (fim de jogo).

A oposição pediu que todos fossem às ruas, apesar dos confrontos dos dois dias anteriores, em uma nova tentativa de, como na terça-feira, levar um milhão de pessoas às ruas do país. Eles querem marchar até o palácio presidencial para pedir a saída de Mubarak.
"É um movimento egípcio. Todo mundo participou, tanto muçulmanos como cristãos, para exigir os direitos que lhes roubaram", disse o imã que liderou a oração, identificado como Khaled al Marakbi pelos fiéis reunidos nessa praça central, onde estão atrincherados há 11 dias os opositores do presidente Hosni Mubarak.

O imã chorou ao se lembrar dos mortos. Tão logo acabou a cerimônia, as pessoas começaram a gritar "vá embora, vá embora já" para pedir a renúncia do presidente, de 82 anos, que perdura há 30 anos no poder.
A situação na praça era calma, mas a rede de TV CNN relatava confrontos em locais afastados.
A TV Al Jazeera informou que o jornalista Ahmed Mahmoud, que foi baleado em 29 de janeiro, morreu vítima dos ferimentos.

Pressão internacional

Ao mesmo tempo, cresce a pressão internacional para a saída de Mubarak, antes considerado um fator de estabilidade para a região e um aliado do Ocidente.
O governo Obama estaria discutindo com autoridades egípcias uma proposta de renúncia imediata de Mubarak, segundo o site do jornal ‘New York Times’.
 A administração do país, durante o período de transição, ficaria a cargo do vice-presidente, Omar Suleiman, que começaria reformas constitucionais, com o suporte de militares egípcios, informaram ao jornal fontes do governo e diplomatas árabes.
O porta-voz da Casa Branca, Tommy Vietor, não confirmou a informação à France Presse, mas declarou: "O presidente já disse que agora é o momento de iniciar uma transição pacífica, ordenada e real, com negociações confiáveis e inclusiva".
Ao mesmo tempo, um alto funcionário de Washington que pediu anonimato afirmou que é "equivocado" informar que há um plano americano sendo negociado com os egípcios.
O Senado dos EUA aprovou na noite de quinta-feira por unanimidade uma resolução que pede a Mubarak a formação de um governo interino no Egito, mas sem pedir sua renúncia.

'Estou farto', diz Mubarak

Nesta quinta-feira (3), o presidente do Egito afirmou que quer deixar o governo, mas teme o "caos" caso ele saia agora. A declaração foi feita à jornalista Christiane Amanpour, da TV americana ABC.
"Estou farto. Depois de 62 anos no serviço público, já foi o bastante. Quero sair", disse ele, que enfrenta o décimo dia de crescentes e violentos protestos da oposição. "Não importa o que pensem de mim", disse na entrevista, que durou 20 minutos. "O que importa é o meu país, é o Egito."
Ele negou que seu governo seja o responsável pela violência na Praça Tahrir, iniciada na véspera e que deixou pelo menos seis mortos, e responsabilizou os oposicionistas da Irmandade Muçulmana pelos confrontos.
A entrevista ocorreu no palácio presidencial do Cairo, que está sob forte vigilância, com o filho de Mubarak, Gamal, sentado ao lado do presidente, informou a ABC.
"Eu não pretendia concorrer novamente. Nunca tive a intenção de tornar Gamal presidente depois de mim", disse Mubarak, segundo a repórter.
De acordo com Amanpour, ele disse ter sentido alívio ao anunciar em um discurso à nação feito na sexta-feira que não concorreria novamente nas eleições presidenciais.
Questionado sobre como estava se sentindo, ele respondeu: "estou me sentindo forte. Não me candidataria novamente. Vou morrer em solo egípcio."

Vice

O vice-presidente Suleiman foi na mesma linha em entrevista na TV, ao dizer que a saída imediata de Mubarak, exigida pelo movimento oposicionista, é um "apelo ao caos".
Suleiman - que assumiu o cargo na semana passada, em uma tentativa de conciliação do presidente com a oposição - garantiu que nem ele, nem o presidente Mubarak, nem o filho de Mubarak, Gamal, vão concorrer às eleições presidenciais previstas para setembro.
A oposição teme que Mubarak, que insiste em permanecer no poder até as eleições, esteja tentando ganhar tempo e "emplacar" o filho como sucessor.
Desde o início dos protestos, que já duram dez dias, pelo menos 100 pessoas morreram, mas, segundo a ONU, esse número pode chegar a 300. De acordo com a TV Al Jazeera, o número de feridos teria passado de 1.500.
Não há cifras oficiais, e os números são frequentemente contraditórios.
Os antigovernistas afirmaram na quinta que detiveram e identificaram 120 manifestantes pró-Mubarak, e que eles seriam, em sua maioria, ligados às forças de segurança e ao partido governista.
Na véspera, o Ministério do Interior havia negado que o governo tenha instigado os protestos.
Mubarak, que está há 30 anos no poder, afirmou na noite de terça em discurso na TV que, nos meses que restam de seu quinto mandato à frente do pais, vai ajudar a cumprir as exigências da coalizão de forças oposicionistas que o desafia -inclusive, fazer reformas do judiciário que ajudem a combater a corrupção.
Ele disse que o país atravessava um "momento difícil", que a prioridade era a "estabilidade da nação" e prometeu dialogar com todas as forças da oposição -que insiste em sua saída.

Musa

O chefe da Liga Árabe, Amr Musa, foi nesta sexta à praça Tahrir, informou seu gabinete, como um gesto de "apaziguamento".
O ex-chanceler egícpio, muito popular em seu país, admitiu em declarações à rádio francesa Europe 1 que está avaliando a possibilidade de suceder Mubarak, apesar de acreditar que o chefe de Estado egípcio permanecerá no cargo até terminar seu mandato, no final de agosto.

Levantes em outros países

O presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, anunciou que vai levantar o estado de emergência que vigora há 19 anos, aumentando as liberdades políticas. Ele também prometeu investir na criação de empregos.
Na quarta, o presidente de Iêmen, no poder há 32 anos, cedeu a protestos da oposição e disse que não vai tentar a reeleição. Nesta quinta, protestos favoráveis e contrários ao governo tomavam as ruas da capital, Sanaa.
No Cazaquistão, o presidente Nursultan Nazarbaiev convocou nesta sexta-feira (4) um decreto que convoca eleições presidenciais antecipadas para 3 de abril, poucos dias depois de ter descartado uma prorrogação por plebiscito de seu mandato.
Nazarbaiev, de 70 anos, anunciou na segunda-feira que convocaria eleições antecipadas, ao mesmo tempo que rejeitou um referendo para prolongar até 2020 seu mandato, como desejava o Parlamento.
Os protestos em Egito e Jordânia -assim como Marrocos, Iêmen, Síria e outros países muçulmanos- foram inspirados pelo levante popular que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, que caiu pela pressão popular após 23 anos no poder.

País chave

O Egito, o mais populoso dos países árabes (80 milhões de habitantes), é importante aliado do Ocidente na região e administra o Canal de Suez, essencial para o abastecimento de petróleo dos países desenvolvidos.
Além disso, é um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) que assinou um tratado de paz con Israel.
O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, mencionou o fantasma de um regime ao estilo iraniano, caso, aproveitando o caos, "um movimento islamita organizado assuma o controle do Estado".
O turismo é uma das maiores fontes de receita do exterior no Egito, sendo responsável por mais de 11% do PIB e fonte de empregos, em um país com alto índice de desemprego. Cerca de 12,5 milhões de turistas visitaram o Egito em 2009, proporcionando receita de US$ 10,8 bilhões.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou "escandalosa e completamente inaceitável" a repressão contra os meios de comunicação e defensores dos direitos humanos, em declarações feitas nesta quinta-feira em Berlim.

 'Campanha contra a imprensa'

O Departamento de Estado dos EUA denunciou nesta quinta o que seria uma campanha organizada contra os meios de comunicação estrangeiros que cobrem a rebelião popular contra  Mubarak.
"Assistimos a uma campanha organizada a fim de intimidar os jornalistas estrangeiros no Cairo e perturbar seu trabalho de reportagem", afirmou o porta-voz da diplomacia americana, Philip Crowley, em seu Twitter.
O grupo Repórteres Sem Fronteiras também condenou a intimidação.
Jornalistas de vários países -inclusive do Brasil- foram alvo de graves ataques e intimidações  por parte de partidários do presidente Mubarak, que os acusa de tentar desestabilizar o regime.

ONU pede investigação

A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, pediu às autoridades egípcias que efetuem investigações "transparentes e imparciais" sobre a violência recente no Egito, onde segundo ela "uma mudança está em curso, como aconteceu na Tunísia".
"Os governos devem escutar suas populações e colocar em prática suas obrigações sobre direitos humanos", disse.

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