13 de janeiro de 2011

Livro com manuscritos de Negrizzolo é prévia do processo de beatificação

Um dos fundadores da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ele era um dos raros brasileiros autorizados a fazer exorcismo

Publicação: 13/01/2011 08:33 Atualização: 13/01/2011 11:54
Padre Negrizzolo: tão marcante foi sua atuação que há até casos de curas atribuídas a ele (Paulo de Araujo/CB/D.A Press
)
Padre Negrizzolo: tão marcante foi sua atuação que há até casos de curas atribuídas a ele
Era madrugada fria de terça-feira, 13 de janeiro de 2009, quando o padre Júlio Negrizzolo, aos 85 anos, morreu. Depois de 10 dias internado no Hospital Daher, no Lago Sul, onde se tratava de uma infecção pulmonar, o religioso de cabelos brancos e corpo já fragilizado não resistiu. A aparência serena — mesmo depois da vida se esvair — contrastava com a imagem, muitas vezes distorcida que se tem da atividade exercida por ele. Padre Júlio era exorcista, um dos únicos no Brasil autorizado pelo Vaticano a fazer esse tipo de operação.

Quem se interessar pela história dele poderá descobrir os pensamentos que inundavam a mente de um Júlio ainda jovem, com 20 e poucos anos, por meio do livro A vitalidade do amor. Os textos serão lançados hoje, às 20h, na igreja onde padre Júlio trabalhava, a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, entre as QIs 6 e 8, no Lago Sul. Nas páginas da publicação, o religioso escreve sobre humildade, o poder da oração, disciplina e muitos outros valores essenciais para o sacerdócio.

Antes desse horário, haverá uma missa, às 19h, para lembrar os dois anos da morte do líder religioso. Quando o padre estava vivo, toda quarta-feira era dia da oração da libertação, na Perpétuo Socorro. Os fiéis lotavam o templo em busca de conforto para males do corpo e da mente. Muitos, porém, iam até ali somente para vê-lo exorcizar. Ele construiu também fama por intermediar “junto a Deus” — como dizia — a cura de doenças graves, como o câncer.

Memória
Passados dois anos da morte de padre Júlio, centenas de pessoas continuam a visitar, às quartas-feiras, seu túmulo, que virou um local de peregrinação, dentro da igreja do Lago Sul. Muitos já o consideravam milagroso em vida. Há, entre os frequentadores e religiosos da Perpétuo Socorro, o esforço para manter a lembrança do ex-pároco sempre viva. “Padre Júlio desenvolveu um trabalho muito bonito, ao lado da comunidade. Foi ele quem ajudou a erguer toda essa igreja. Quando ele chegou aqui, ela era muito diferente”, relatou irmão Michael Goulart, 22 anos, que trabalha na igreja.

Padre Júlio fazia parte da Congregação dos Missionários Redentoristas (veja Para saber mais). Em 2014, quando transcorrem cinco anos de sua morte, a igreja entrará com um pedido de canonização do religioso. Isso porque há relatos diversos de milagres realizados por ele, durante as orações de cura. “Comecei a

frequentar a paróquia em 1995 e padre Júlio já era o pároco. Nesses anos todos, presenciei essas curas. Elas iam do câncer ao exorcismo. Vi pessoas que bebiam a água exorcizada melhorarem, famílias inteiras se reconstituírem”, relatou o católico Jorge da Silva Soares, aposentado e morador do Lago Sul.

Pessoas próximas a Júlio, como Jorge era, descrevem o missionário como um homem dócil, que viveu seus votos de amor, castidade e obediência profundamente, durante toda a vida religiosa. “Ele nutria um amor profundo pela comunidade. Devemos muito a ele. Nesse tempo todo, nunca deixou de estar a postos para atender as solicitações do povo. Ele viajava pelos arredores de Brasília, como Luziânia, para ver quem precisava”, contou Jorge.

Santo
A partir deste ano e nos três seguintes, irmão Michael — que é diferente de um padre, porque não celebra missas, mas desenvolve outros serviços na igreja, respeitando os mesmos votos — vai reunir material na tentativa de comprovar a santidade de padre Júlio. “Vou entrevistar pessoas, reunir os relatos de cura, de milagres. Ainda estamos começando.”

Só é possível pedir ao Vaticano a santificação de um religioso cinco anos depois da morte dele. Quando completa-se a meia década e há motivos, a congregação faz o pedido. A Santa Sé (Vaticano) pode demorar entre cinco e dez anos para avaliar todo o processo. Em outros tempos, somente o papa podia promover uma causa de canonização. Hoje, os bispos têm autoridade para isso e qualquer diocese está autorizada a fazer o pedido.

Quando a causa, como chamam a tentativa, é iniciada, o candidato, nesse caso Padre Júlio, recebe o título de Servo de Deus. Nessa etapa, deve-se investigar minuciosamente a vida do religioso. Em seguida, a pessoa é considerada venerável. O segundo processo é o milagre da beatificação. Para tornar-se beato, é necessário comprovar um milagre ocorrido por sua intercessão.

O terceiro e último processo é um novo milagre para a canonização, que deve ter ocorrido após a beatificação. Comprovado esse milagre, o beato é canonizado e o novo santo passa a ser cultuado. “Essa comprovação precisa ser científica. Médicos, por exemplo, devem analisar todas as circunstâncias. Quando a ciência não consegue explicar, temos um milagre”, explicou Michael. Caso o Vaticano aceite o pedido de canonização, padre Júlio poderá ser o primeiro santo que seguiu sua vida religiosa em Brasília.


Cerimônia
Lançamento do livro A vitalidade do amor e missa em memória dos dois anos de falecimento de padre Júlio Negrizzolo.

Local: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, QI 6/8, Lago Sul, em frente ao Gilberto Salomão.

Horário: a partir das 19h.


Perfil
Júlio Negrizzolo nasceu em Serra Azul, no interior de São Paulo, próximo a Ribeirão Preto. Entrou para o seminário aos 15 anos e morava em Brasília desde 1980. Sempre atendeu na Paróquia Perpétuo Socorro. Em 2000, deixou de ser pároco – o padre responsável pela paróquia — para virar auxiliar. Celebrou missas e participou das atividades paroquiais até um mês antes de sua morte.


PARA SABER MAIS
Pregando aos pobres
A Congregação do Santíssimo Redentor foi fundada em 1732, em Nápoles, na Itália, por Afonso Maria de Ligório, com a finalidade de “continuar o exemplo de Jesus Cristo Salvador, pregando aos pobres a palavra de Deus, como disse de si mesmo: enviou-me para evangelizar os pobres”. Os missionários redentoristas, padres e irmãos, estão espalhados pelo mundo inteiro, presentes em mais de 70 países. Em 1894, chegaram ao Brasil. Hoje há, aproximadamente, 600 missionários no país, distribuídos em nove unidades.


CONFIRA TRECHOS DO LIVRO
A vitalidade do amor

“A humildade é a base de todas as virtudes. Nunca posso pensar que sou mais do que os outros, porque não sei as graças que Deus lhes concedeu, porque nem de longe conheço perfeitamente o meu nada, a minha pequenez, e porque sem a graça de Deus eu nem sequer existiria.”

“Para ser santo, é preciso querer verdadeiramente. Aquele que deve subir uma montanha muito alta, se só com o olhar sua altura desanima e não começa a subir, é claro que nunca chegara ao cume. É preciso coragem! Deus não exige de ninguém mais do que ele pode.”

“Bem faz quem serve antes ao bem comum que à própria vontade. Quem tem perfeita caridade não procura em nada a si mesmo, mas em tudo dá glória a Deus. Sobre os defeitos alheios, pois eles devem sofrer os teus.”

“O tempo passa e não podemos segurá-lo. O dia de minha morte já está marcado, está se aproximando cada vez mais. Não sei se falta muito, se minha última hora já se aproxima. Já tenho vinte anos e parece que nasci ontem, será que viverei ainda outro tanto?”

0 comentários: