1 de fevereiro de 2011

Padre fica com fama de pacificador em Santo Antônio do Descoberto


Os problemas da cidade, próxima do Distrito Federal, estão longe de se resolver. Os moradores reclamam da superlotação dos hospitais, da ponte que caiu e das ruas sem asfalto.
Um lugarejo em pé de guerra. Um padre ilhado na casa paroquial.

“Quando eu passei por aqui eu via balas. Você via barulho, bombas”, conta o padre Marcelo José Vieira Júnior.

Estampidos e perplexidade. “Eu nunca vi uma guerra. Eu sou padre de cidade de interior. Eu só via uma guerra. Muitos tiros”. 

Foi, então, que o vigário tomou a decisão: correu para dar abrigo ao povo. O repórter Rafael Mônaco acompanhou. O padre chama a comunidade para ir para a igreja. O padre abre a igreja.
“Ninguém vai bater no meu povo, não! Pode entrar!”, chamou o padre.

O que o levou a fazer isso? E por que a cidade de 60 mil habitantes entrou em convulsão?

Colada no Distrito Federal, a goiana Santo Antônio do Descoberto fica a apenas 40 km de Brasília. Mas é como se ficasse em outro planeta, longe do dinheiro e do conforto.
A ponte ruiu, o asfalto sumiu. O hospital é superlotação e demora.

“É o dia todo no hospital para conseguir um mal atendimento”, declara uma mulher.

A população explodiu de raiva. O prefeito diz que está de mãos atadas.

“O povo tem razão em reclamar. Só que eu assumi dívida de mais de R$34 milhões e tenho R$1 milhão por mês para conseguir saldar toda essa dívida e tocar o município”, afirma o prefeito David Leite.

Os problemas ainda estão longe se resolver. Mas os ânimos estão um pouco mais serenados.

Em volta da igrejinha onde as pessoas se refugiaram está tudo aparentemente muito tranquilo.

O homem que evitou aquilo que poderia ter sido um conflito muito mais sério pôde, enfim, se dedicar a uma de suas muitas atividades de rotina.

Um especialista na restauração de imagens sacras, como a Santa Luzia Barroca. Aos 33 anos, Padre Marcelo nem liga se alguém acha que ele é um jovem de hábitos ultrapassados.

Fantástico - O senhor usa batina, né? Quase não se usa mais...

Padre Marcelo - Já não é muito modernismo! O meu povo quer um padre de batina. Se o meu povo quer um padre de batina, eles vão ter um padre de batina.

Basta uma voltinha para constatar a ascendência do padre sobre os fiéis.

Fantástico – Agora, o que a gente ouviu por aí é que o povo aqui não obedece nem o prefeito nem a polícia, mas o padre eles obedecem.

Padre Marcelo - Graças a Deus. Eu não sei se obedecem, mas respeitam, amam o padre que têm. Pode ter a multidão que for. Se eu chamar o povo, eles vêm.

Multidão desesperada foi o que ele viu no dia da confusão. E só tinha gente conhecida.

Tinha meninos coroinhas correndo... Então, era o povo da igreja, pessoas de bem, não era bandido, não!

A polícia parecia confusa. Bateu num homem de muletas. Em vez de prender ou autuar, espancou e chutou. Mo meio do tumulto, o padre apareceu.

“Então, a minha iniciativa é a igreja. Vou abrir a igreja e todo mundo entra, porque a polícia não vai entrar na igreja. E se entrar vai ter que passar por cima do padre”, relata o Padre.

Foi, então, que ele abriu a igreja fundada em 1765, cujas paredes grossas já protegeram muita gente ao longo de quase três séculos.

“Quando os índios vinham atacar os garimpeiros, os colonizadores, eles se escondiam, se refugiavam dentro dessa igreja”, ensina o Padre.

Foi o que fizeram os manifestantes esta semana.

“Mas quando eu vi que a igreja não cabia mais gente, e o povo ficando de fora, os tiros, bombas, eu me coloquei na frente. Se vão atirar, então vão atirar primeiro no padre”, conta.

O padre saiu para o pátio da igreja.

“Falei: ‘olha, ninguém vai atirar no meu povo. Todos pra fora!’. E fui empurrando a polícia pra saírem, saírem e me respeitarem. Esse solo é santo!”.

Negociou o fim do conflito com o comandante da operação. Mas não deixou de conter os fiéis mais exaltados.

Padre Marcelo - Depredar patrimônio público, agredir ou jogar qualquer coisa nos policiais, isso eu não permito também. Foi quando eu trouxe alguns manifestantes pra dentro.

Fantástico - O senhor deu um pito neles também?

Padre Marcelo – Sim, claro! Dos dois lados.

Fantástico - Quem venceu? A fé ou a coragem?

Padre Marcelo - Depois, quando eu saí à frente, que os policiais ameaçavam atirar em mim, eu confesso que, naquela hora, eu tive um pouquinho de medo, sabe?

Fantástico - Tremeu a batina?

Padre Marcelo - Tremeu! Bastante. Mas eu fiquei muito confiante. Eu sabia que eles respeitariam o sacerdote. Porque lá no meio dos policiais, metade eu os conheço. Parte deles vem à missa.

Fantástico - Os policiais?

Padre Marcelo - Sim. E são meninos bons!

O padre ficou com fama de pacificador. Mas quer tirá-lo do sério? Pergunte se ele quer o lugar do prefeito. “Não, não pretendo ser candidato. E me sinto ofendido quando me fazem essa pergunta!”, responde o padre.

E insiste, ao vigário, o que é do vigário: as orações, a igreja, o rebanho. Eu serei aqui tão somente o padre de uma igrejinha do interior. Estou feliz assim”, conclui. 

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