10 de maio de 2011

Grave equívoco do STF na questão homossexual


por Prof. Hermes Rodrigues Nery
“Nós estamos ocupando o espaço do Congresso”, diz Lewandowsky
Apontamentos sobre as Sessões de 4-5 de maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a ADI 4277 e ADPF 132, que deliberou e aprovou a extensão de direitos aos homossexuais
Nas sessões de 4 e 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a ADIn 4277 e a ADPF 132, cujo relator foi o ministro Carlos Ayres Brito. No dia 5, pouco depois das 18 horas, com o voto do ministro Gilmar Mendes, foi reconhecida a união estável dos homossexuais, estendendo e equiparando os direitos legais aos dos casais heterossexuais, como pensões, aposentadorias, inclusão em planos de saúde, abrindo possibilidade, inclusive, para a adoção de filhos. Ao final da Sessão, o Presidente do STF, Cézar Peluso declarou a unanimidade do resultado. “Mais do que um projeto de vida aos nossos brasileiros, estamos oferecendo aos homossexuais um projeto de felicidade”, exclamou o ministro Luiz Fux. E acrescentou: “Aonde há sociedade, há direito; se ela evolui, o direito evolui!” É o tom que vem prevalecendo, para uma mudança que vem sendo imposta por forças econômicas e políticas, que visam a manutenção de uma lógica de poder cada vez mais inumana.


Foi com sentimento de impotência que acompanhamos mais esta deliberação da mais alta corte do País, num plenário esvaziado, com poucos presentes, quase ninguém da militância pró-vida que poderia estar tomando conta daqueles assentos, quem sabe até da praça em frente, que dá vista ao Palácio do Planalto, mas mais uma vez me veio a indagação: aonde está o povo de Deus, que é o povo da vida, para defender a sacralidade da família, primeira e principal instituição humana? Desde a campanha eleitoral de 2010, ficou cada vez mais evidente o quanto nós, cristãos católicos, somos hoje minoria, clamando como os discípulos de Emaús, a pedir para que Deus fique conosco, nesta hora em que intensificam as forças contra a família, e a dignidade da vida humana. E com isso vai avançando “a tendência para a tolerância própria do laicismo”1, como propôs Hans Kelsen, cuja ideologia vai corroendo as forças fundantes e vinculantes da coesão social, que a família é a base essencial.

Duro golpe contra a família
A decisão do STF foi um duro golpe contra a instituição familiar, cujo conceito – para os ministros – está mudando e há de mudar ainda mais; pois é preciso aceitar os novos modelos, integrar as novas situações, e garantir que o Estado dê proteção especialmente às minorias, assegurando os princípios constitucionais da liberdade individual, da igualdade e o da não-discriminação. O fato é que “o matrimônio parece agora já não ser mais um modelo, mas uma escolha como outra qualquer”2. Perdeu-se o sentido do matrimônio como escola de vida, que há uma pedagogia e um caminho para a vida, com exigências e deveres, que transcendem a concupiscência, e que eleva a pessoa à condição de sua autêntica realização, quando vivido em dimensão do serviço e do compromisso de uma efetiva complementaridade e solidariedade. Nesse sentido, homem e mulher se completam, fora disso, a pessoa é enredada nos escapismos do hedonismo e na armadilha daquelas ilusões sempre perdidas.
“A vida nem sempre é entendível!”, justificou-se a ministra Carmem Lúcia, relembrando o momento em que Riobaldo fica estupefato ao constatar que aquele quem ele desejava tão ardentemente não era homem: “Uivei. Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucuia, como eu solucei meu desespero. / O Senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real”3. E buscando na retórica poética do relativismo, a ministra argumentou que é preciso “aceitar a escolha individual”, pois a união homoafetiva “é um dado da realidade”. E sabemos que tal realidade é de índole anárquica, que se quer instaurar em nosso País, para cortar pela raiz a nossa seiva cristã.
Todos, em uníssono, afirmaram que tal realidade é um fato do pluralismo social, e deve ser encarada sem nenhum preconceito, por se tratar de uma “hermenêutica do sentido”, conforme exprimiu Gilmar Mendes. Na argumentação de todos os ministros que votaram a matéria, “impera a mentalidade do positivismo jurídico”4, além do relativismo cultural, que também se tornou um imperativo ideológico. Diante desse novo contexto, não há ordem natural: a família se liberta de qualquer baliza moral, e o que deveria proteger a pessoa por inteiro, passa a situar o ser humano na areia movediça dos enganos, que visa não edificar, mas destruir a identidade, a vocação e a essência da pessoa humana, portanto, da sua própria dignidade. Mas o ministro relator Ayres Brito, optou pela “equiparação dos direitos”, no contexto da “plurissignificatividade” (como destacou em seu voto), nivelando contra a própria natureza constitutiva da pessoa, em nome de uma felicidade que é apenas uma miragem do gozo efêmero da epiderme.
Ápice do conflito Estado e família, cultura e natureza
O direito de igualdade deve respeitar o ser humano como pessoa, e não reduzi-lo ao jogo fortuito de uma liberdade que não quer o bem da pessoa, mas conduzi-la a um labirinto de seduções, que a fazem se equivocar sobre quem realmente ela é como ser pessoal. “A consciência é a verdadeira norma do agir”5, daí que os ministros decidiram o que a maioria do povo brasileiro reprova, em seu íntimo, por isso os defensores da desconstrução do conceito de família tem sofrido derrotas no campo legislativo, e se refugiaram nas togas dos magistrados, no atalho mais fácil para atingir e corroer uma moral civilizacional, a partir de decisões de quem não têm a delegação legítima da representatividade.
Voltamos então à tragédia de Antígona e Creonte (onde vemos “as leis eternas da piedade contra as usurpações do Estado” 6: o conflito entre estado e família, entre cultura e natureza. Sófocles intuiu, já no séc. V a.C., de que o Estado fracassa, depois de dolorosas situações, quando se torna obstáculo à família e deixa de ser o seu autêntico promotor. Com a decisão do STF, vimos repetir o Estado agindo como outrora, com “orgulho prometéico”7, e sempre acenando com a panacéia de “um projeto de felicidade”, como salientou Luiz Fux.
Chegamos hoje no ápice deste conflito, e com um aparato de poder (tecnológico, político, econômico e midiático) que intensificam uma revolução contra a família, minando cada vez mais o suporte da pessoa humana. “Distingue-se então o fenômeno biológico da sexualidade das suas expressões históricas, às quais se chama gênero, mas a revolução que se quer provocar contra toda a forma histórica da sexualidade conduz a uma revolução que também é contra as condições biológicas; já não pode haver dados naturais; o homem deve poder moldar-se arbitrariamente, deve ser livre de todos os condicionalismos do seu ser”8. Depois de se insurgir contra todas as formas de organização social surgidas para proteger e desenvolver a pessoa, os ideólogos do anarco-individualismo se voltam agora, com força total, contra aquela que até então tem sido a mais sólida das instituições humanas: a família. E os ministros do STF, seduzidos por este canto de sereia, cegaram-se todos a esta realidade (de frenesi dionisíaco, daquela “possessão que não é comunhão”9, pois Dioniso “desencaminha e desconcerta”10, e ninguém terá como prever sobre o que poderá acontecer, daqui para a frente, a que espécie de precipício poderemos “descarrilhar”, a partir destas e outras decisões judiciárias. Nesse sentido, tais decisões estão todas conforme os objetivos do PNDH3, em nosso País, que está, ítem por ítem, sendo cumprido, sem que as pessoas se dêem conta do que vem ocorrendo.
Anseio pela liberdade absoluta
Quem mais discorreu sobre a problemática da família, foi o ministro Ricardo Lewandowski, dizendo ser necessário “desvendar o conceito jurídico de família”, reconhecendo a homoafetividade como “outra forma de entidade familiar”, sendo família, portanto. É preciso haver, por isso, “acolhimento e reconhecimento” – disse ele – , julgando a decisão do STF “um coroamento de um processo histórico”.
Gilmar Mendes destacou “o direito da minoria” como um “etos fundamental”, chegando inclusive a dizer que a presidente Dilma Roussef foi vítima de “um preconceito da parcela significativa da sociedade”, que a acuou na campanha eleitoral de 2010, forçando-a fazer declarações contraditórias, por que colocaram na pauta da campanha, temas espinhosos. E defendeu “o direito de autodesenvolvimento da personalidade e o exercício da liberdade”. E ainda foi mais enfático, afirmando que é preciso que haja “um modelo institucional que permita esta escolha (da homoafetividade) e o direito de igualdade”, para que haja a tão desejada equiparação de direitos. Lembrou a emenda do divórcio, capitaneada pelo então senador Nelson Carneiro, em 1977, como uma “emenda de libertação”(“um anseio pela liberdade absoluta”11), completando, no entanto, que “não são fáceis os problemas desta opção!”
Mais do que reconhecer tais direitos, ficou implícito na fala de todos, não apenas a aceitação desta nova entidade familiar, mas para alguns soou uma quase apologia, fazendo coro ao que a mídia já vem fazendo, há tempos. O ministro Gilmar Mendes foi quem decidiu a questão, quando se chegou ao sexto voto favorável ao reconhecimento da união estável dos homossexuais, salientando, porém, que tal decisão implicaria em “um sério risco de descarrilharmos” em situações e desdobramentos imprevisíveis, preocupação esta também manifestada por outros ministros, inclusive o próprio relator, Ayres Brito.
A perversão do sistema representativo
O momento significativo de mais esta Sessão julgada histórica pelos ministros do STF, foi quando Ricardo Lewandowski chamou a atenção ao fato de que aquela decisão unânime explicitava a perigosa tendência do Supremo Tribunal Federal em passar a legislar. Nesse sentido, ele mesmo foi categórico em assumir o fato: “Nós estamos ocupando o espaço do Congresso!”, admitindo, com isso, a possibilidade de estarem exorbitando as funções do Poder Legislativo, agravando ainda mais “a perversão do sistema representativo”, conforme disse em sua poltrona confortável.
O fato é que os promotores deste mais intenso ataque contra a família, no Brasil, não têm conseguido aprovar leis permissivas pela via legislativa, daí a estratégia de implantar o ideário do PNDH3 pela via judiciária, inclusive a gradual legalização do aborto, iniciando com a deliberação da ADPF 54 (que visa aprovar o aborto em casos de anencefalia), cuja sessão também histórica poderá ocorrer a qualquer momento.
Com isso o Legislativo vai perdendo força, e se tornando apenas uma perfumaria no sistema perverso de uma democracia que apenas funciona como retórica.
É certo que “a lei humana não faz tudo!”12 e que continuaremos defendendo a família e a dignidade da pessoa humana, na coerência de vida, no difícil cotidiano, nas coisas simples do dia-a-dia. Continuaremos a afirmar a beleza do matrimônio, o valor da fidelidade, e o desafio da família como escola de vida. Família monogâmica e heterossexual, porque é um dado antropológico que este modelo foi capaz de civilizar e humanizar. Um estudo mais profundo da pré-história atesta que enquanto prevaleceu promiscuidade sexual e homossexualidade, houve dispersão de recursos e nomadismo, e que a descoberta mais relevante, que favoreceu outras também importantes, como da utilização do fogo, da agricultura e da escrita, foi a da família monogâmica e heterossexual. A decisão do STF, portanto, foi contra a civilização humana, um retrocesso histórico, de “desdobramentos imprevisíveis”, conforme a própria intuição dos ministros.
Relações mais vulneráveis, porque agridem a própria natureza humana
Uma destas conseqüências inevitáveis de ataque tão contundente contra a família é certamente o aumento da violência, como temos visto ultimamente. Os fatos comprovam que o número de separações entre casais homossexuais superam, em muito, à dos casais heterossexuais; e o grau de violência no fim destas relações, é muito maior. O que temos visto são pessoas destruídas, com relações não permanentes, e depois da separação, acabam na solidão e em total desamparo, ainda mais se forem pobres. Não se trata de preconceito ou de discriminação. É “um dado da realidade”: as relações são mais vulneráveis e susceptíveis a mais conflitos, cujos fatos refutam, portanto, ao sofisma de Luiz Fux: não se trata de um “projeto de felicidade”, mas de thélksis, “o encantamento (…) um elemento perigoso (…) capaz de transtornar inteligência e coração”13, que leva a pessoa a “um domínio ermo, estéril e carente de geração”14, a “um mundo ctônio”15, que é “uma espécie de escapismo”16, onde levam “uma existência ambivalente e ambígüa”17, por isso “pode ser acometido de anoia (loucura)”18 e, portanto, não fazer feliz que assume tal caminho.
Ao término da Sessão, mais uma vez, ficou evidente estarmos na contramão de uma ideologia que quer escravizar o ser humano a um modo de vida que contradiz a sua própria natureza; mesmo assim, levando em conta a experiência histórica, sabemos que contradizer tal equívoco dos ministros do STF, é fazer história, apesar de sermos cada vez mais uma minoria que continuará trabalhando na defesa da família e da dignidade da vida humana, para o bem de toda pessoa.
Bibliografia:
 
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